segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Teu e meu




O que tu me dá, é meu
E eu não devolvo
O que te dou é teu
E não peço de volta

Ficamos assim em suspenso
Uma parte tua, comigo
Uma parte minha contigo
Sem nada de nós

Ou estou enganada
E essa mistura pouca
Essa coisa louca
De dar sem receber

Cria um universo inteiro
Sem declaração aberta
De um nós feito de pequenas coisas?
Pedacinhos de pequenas gentilezas

Não importa
O que te dou é teu e não peço de volta
O que ganho é meu
E não me pedes de volta

Fragmentos de ternura
Em mim, em ti
Que transformam
E já não sei quem sou
(e isso não importa. Ah, isso realmente não importa)

terça-feira, 13 de novembro de 2012

AMAVISSE


I
Carrega-me contigo, Pássaro-Poesia
Quando cruzares o Amanhã, a luz, o impossível
Porque de barro e palha tem sido esta viagem
Que faço a sós comigo. Isenta de traçado
Ou de complicada geografia, sem nenhuma bagagem
Hei de levar apenas a vertigem e a fé:
Para teu corpo de luz, dois fardos breves.
Deixarei palavras e cantigas. E movediças
Embaçadas vias de Ilusão.
Não cantei cotidianos. Só cantei a ti
Pássaro-Poesia
E a paisagem-limite: o fosso, o extremo
A convulsão do Homem.

Carrega-me contigo.
No Amanhã.





Hilda Hilst -Amavisse - 1989.






segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Despalavra

Despalavra - Manoel de Barros

Hoje eu atingi o reino das imagens, o reino da despalavra.
Daqui vem que todas as coisas podem ter qualidades humanas.
Daqui vem que todas as coisas podem ter qualidades de pássaros.
Daqui vem que todas as pedras podem ter qualidade de sapo.
Daqui vem que todos os poetas podem ter qualidades de árvore.
Daqui vem que os poetas podem arborizar os pássaros.
Daqui vem que todos os poetas podem humanizar as águas.
Daqui vem que os poetas devem aumentar o mundo com suas metáforas.
Que os poetas podem pré -coisas, pré-vermes, podem pré-musgos.
Daqui vem que os poetas podem comprender o mundo sem conceitos.
Que os poetas podem refazer o mundo por imagens, por eflúvios, por afeto.

Universo

Ela diz: criei um universo aqui. Eu gosto. Pode ser que diga isso para todos, afinal assim são os artistas. Não quero acreditar. Acredito que criou muitos, mas não sei se disse todos. Fiquei feliz por ter dito. As palavras reverberam no universo e, com isso, realizam-se.
O sofá andou. Veio compor o universo. Ah, essas bagunças dela! São adoráveis uma vez por mês. E todos os planos? Todas as ideias. Ela é uma doida mesmo. Quando eu te digo isso, estou falando que a tua doidera é real, como a tua lucidez. São muitas coisas numa pessoa só. Isso pra mim é que é a loucura. As coincidências também são doidas, tu sabes bem. Te ligo. Era essa música que eu escutava:
Viu bobona? Palavras nas pontas dos dedos, espalhadas em gestos.
Romântico? Será o que sou por escutar McCartney e lembrar dela? Pagando mico, dando um "bandeiraço"? E como posso deixar de sentir e de dizer? Mas sei que ela não vai ler. Agora está ocupada, depois não vai lembrar desse espaço. Estou protegido. Anônimo na internet. 
Ela, ah ela. Ela tem charme e usa. Sabe chegar com aquele jeitinho. 
Aqui, agora, um incenso e o presente que tu me deu. Descanso. Preciso aprender a ir dormir mais cedo. Tanta coisa ficou por fazer só para poder te ver um pouquinho. Acordar cedo. Recomeçar a semana e essa vai ser longa e trabalhosa. No final dará tudo certo, estarei um pouco cansado, posso querer me cansar de outro jeito. Cansar no braço dela, que abusa de mim. 
Aprendo com ela. Me ensinou, por exemplo, a diferenciar Lennon de McCartney, em timbre e em criação. Me deu uma pequena lição de Corel. Prometeu seguir me ensinando. 
A vida fica lenta perto dela. O tempo para.
Me convida para almoçar, me alimenta, cuida de mim um pouquinho. Tem coisas que dá vontade de matar. Pequenas coisas que quase não importam perto do universo, da maçã (já falei da maçã? não? outro dia então...), do abraço, dos beijos. 

... Pra você guardei um universo
Quando falta espaço eu faço um verso
e durmo na canção...
(Nei Lisboa - Romance)

sábado, 3 de novembro de 2012

A maçã

Só porque acorda monstrinhos mágicos que vibram por dentro...

Uma música colorida preenche o espaço,
são os monstrinhos despertos.
Se eu fosse um violão estaria tocando.
A lua está bonita.
A rua está deserta.
A cama está repleta.
A roupa está no chão.
A guitarra está na mão,
o amor sobre o colchão.



terça-feira, 30 de outubro de 2012

Trinta de outubro.

supresa, um telefonema às 6:55 da manhã de alguém que nunca liga. achando que era engano, uma discagem errada, desliguei e voltei a dormir. surpresa, um sonho bom com alguém com quem nunca sonho, uma sensação de conforto, abraço e torno a acordar. e o dia apenas começa. retorno a ligação. uma voz triste e séria: Ana, o Paulinho morreu. como assim? morreu, enterro hoje, 15 hs. me dá uma carona? vou contigo. tramas. a vida em tramas, tecendo tramas. um emaranhado. ainda meio abobada lembro de ter dito: vou me arrumar e estou pronta as 15hs. nesses dias tão estranhos o cemitério tem sido bastante frequentado. 
esqueceu de dizer ao telefone: não um paulinho qualquer, mas o Paulo, o cara por quem tu tremeu, queimou, não qualquer cara, não qualquer Paulo. um tempo em que apenas desejava a sorte de um amor tranquilo e, nas escolhas tortas  de um coração confuso, acabei mergulhada em dor e tristeza, tudo junto num pacote bonito. com laço de fita e tudo mais. alguém que peitou umas broncas feias e nem tinha porque fazer... alguém que me apresentou os beatinks, alguém que me levou a fazer um programa de rádio, alguém que conhecia arte, alguém com sensibilidade, alguém com quem perambulei pelas ruas, alguém com quem  aproveitei poucas madrugadas, alguém com quem tomei uma cachacinha em botecos dos mais botequeiros. alguém maldito. sempre um maldito, no sentido beatnik do termo maldito. alguém que amava um vinho, alguém que amava uma coisa, um haxixe. alguém que ouvia jazz e caetano. quieto. magro. camiseta branca e jeans, sempre. uma boina ocasionalmente. alguém com quem eu não falava, as sequelas foram grandes demais. eu era apenas uma menina. e ele não me entendeu. ele me apresentou a escrita de Kerouac. limpa, contínua, sem pontos, sem vírgulas, uma frase interminável, uma narrativa sem respiração. e também Bukowski, o velho ateu e à toa. ele era "chique". era um taurino. era quente. eu lembro e quase sinto o cheiro. me sentia desconfortável toda vez que o via na rua. não conversávamos mais. nossos filhos brincavam juntos. quatro meninos com as mesmas idades. 
estou prestes a te ver pela última vez isso é estranho demais pra mim. não me acostumo. morrer não vale. e nessa trama de hoje os contatos de muito tempo retornam e tudo aperta. a saudade, a repulsa, tudo tudo que não vibrava aqui faz tempo. sou outra. eras outro acredito. um velho. estavas velho, cabelo branco, uma magreza maior ainda, um passo vagaroso. tudo tua doença? não sei. estou prestes a pegar uma carona com alguém que adoro mas que mantenho distância, uma distância saudável. alguém que um dia me disse, lá ainda no quarto de solteira na casa da mãe: se não fosse o medo eu te comia aqui e agora. essa tua morte assim, sem aviso prévio, mexendo em tudo. juntando pessoas. só tu, meu amigo querido, só tu. pra ti, nessa hora, meu velho amor, um Bukowski. celebração de uma partida para sempre. te cuida. até mais.


entre o teu signo e o meu
existe uma possibilidade
de veneno
umas tintas de vermelho
meu moreno


e se a paixão há de ser provisória
que seja louca e linda
a nossa história.

(Bruna Lombardi - Pacto)


sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O Som das Moitas I


                 

           A                                                     O

               Moi                                                                          Cor
                                                                                                         po
                    ta 
                                                                                                              
          me   
                xen                                                                                         fer
                     do
                                                                                                                 ven

                      Pro                                                                                          do
                          duz                                                                                i
                                                                                                                  n                 
                     o 
                                                                                                                  t   
                     Som                                                                         r
                                                                                                                 o
                                                                                                                 d
                                                                                                                 u
                  M                                                                                            z                                              
                      O                                            
                  V                                             
                      I                                                                              o                  
                 M                                           
                     E                                                                                               Tom
                N
                     T                                                                              vi
                 O                                                                            bra
                                                                                                        (a)  
                                                                                                 ção
                                      
                         Na           
                            Tu                                                                   Cul (gu)
                                Ral                                                                                 tu     
                                                                                                                               ral

                                                                                                (Ana em parceira com Duglas Bessa)
  


Certo de estar perto da alegria, comunico finalmente
Que há lugar na poesia
Pode ser que você tenha um carinho para dar, 
ou venha pra se consolar
Mesmo assim pode entrar que é tempo ainda


Ah, benvinda, benvinda, benvinda

(Chico Buarque - Benvinda)

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Wittgenstein diz que sobre o que não se pode falar, deve-se calar. 
Não quero delimitar a linguagem.
Insisto e falo.
De outra forma, digo.
E tá tudo por aqui, espalhado, desconexo, bagunçado. Uma bagunça que nunca acaba. 
- Não é, Doido? Não é doido?
Pode ser que eu tenha um carinho pra dar ou queira apenas me consolar.
Mansa e silenciosa chega a noite.
E as palavras surgem e sobem por todo o corpo.
Escrever é matar um pouco cada uma delas e ter sossego. Eliminar toxinas.


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" A poesia é a única prova concreta da existência do homem."
Luis Cardoza y Aragón

(Imagem: Nebester - http://artmonia.tumblr.com/)

Para atravessar contigo o deserto do mundo


Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminharei

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua

E ao descampado se chamava tempo


Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento

(Sophia de Mello Breyner Andresen - Livro Sexto, 1962)











terça-feira, 23 de outubro de 2012

(imagem Iatomo - desse limk:http://artmonia.tumblr.com/)

















E se o poema opaco feito muro

te fizer sonhar noites em claro?
e se justo o poema mais obscuro
te resplandecer mais do que o claro?
                        Antônio Cícero



Poema

Eu hoje tive um pesadelo e levantei atento, a tempo
Eu acordei com medo e procurei no escuro

Alguém com seu carinho e lembrei de um tempo
Porque o passado me traz uma lembrança
Do tempo que eu era criança
E o medo era motivo de choro
Desculpa pra um abraço ou um consolo
Hoje eu acordei com medo mas não chorei
Nem reclamei abrigo
Do escuro eu via um infinito sem presente
Passado ou futuro
Senti um abraço forte, já não era medo
Era uma coisa sua que ficou em mim, que não tem fim
De repente a gente vê que perdeu
Ou está perdendo alguma coisa
Morna e ingênua
Que vai ficando no caminho
Que é escuro e frio mas também bonito
Porque é iluminado
Pela beleza do que aconteceu
Há minutos atrás


(Ney Matogrosso)


Lembro de gostar de Ney desde bem pequena. Essa adquiriu novo significado. Será que tô ficando velha e tola? Espero que não, espero que seja sossego o nome disso.
Bj-te

Gostei dessa música com eles. Tenho curtido esse som.


Deixo a original de brinde. :D

segunda-feira, 22 de outubro de 2012



Enquanto espero, converso, aprendo e mudo.

                                                                           Nada é permanente, exceto a mudança.
                                                                                                     Heráclito de Éfeso

   
Inevitável lembrar Heráclito de Éfeso. Esse moço tem me perseguido ultimamente. Quatro dias atrás resolvi mudar e reativar este blog. Inicialmente era um espaço pra pensar a infância aqui na cidade, a relação do poder público com a infância, etc. Me incomodava essa invisibilidade da criança por aqui. Coisa de mãe talvez.
Outro dia, após avaliar minha vida com o facebook, vi que precisava de mais espaço e de outro espaço, porque não quero abarrotar a caixa de entrada de ninguém e também já não quero - aqui - discutir sobre a infância. Quero só um espacinho pra colocar as coisas que gosto, dividir com quem quiser ler, ouvir ou ver. 
Só isso. Bem tranquila, apenas prazer. 
Lembrei do blog, parado desde 2009...
Abri, olhei pra ele. Não servia mais, tinha que colocar coisas fora, mudar. Mas podia usar o mesmo espaço. 
Mudei por dentro e por fora. E, meio sem jeito, comecei.
Estou ainda me acostumando, mas sinto vontade de voltar aqui e escrever. As palavras tem me acompanhado. 
Durmo tarde por causa delas. Ou nem durmo.
Escrevendo ou lendo, às vezes faço um desenho. Escuto música.
Não tenho dificuldades em dormir. É mais uma resistência. Gosto do silêncio da noite. Do sossego da casa quieta, das crianças dormindo no quarto ao lado e as ideias chegando de mansinho. Tão bom. 
Fui colocando aqui escritos que já estavam digitados. Só isso.
Mas não estava bom. 
Puxei um papo pelo chat com alguém de quem gosto muito e que conheço há algum tempo, a  Lizi BV, menina inteligente e autora do blog Viver é mais que um direito ( http://dradireitolbv.blogspot.com/) e me dei conta da minha entrada abrupta.
Bem ariana. 
tsc tsc tsc
Não pedi licença, não saudei, não dei "té logo", nadinha. Apenas entrei.
Ainda bem que a Lisi me ensinou. Que bom que me mostrou a boniteza que é a gentileza e a simpatia na escrita. Engraçado como transparece, não é?

A quem possa interessar ando bem, de uma felicidade constante e cansada. Nada muito efusivo, apenas um agradinho interno, que dá a certeza na hora de dormir que as coisas vão bem. 
Aproveito, pois sei que é rápido.
Aprendi que tudo muda. É preciso mudar. Melhor não resistir. 

Acho que continarei mudando.

Aprendi, também, que as coisas de que preciso para estar feliz são simples. 
E não custam dinheiro, que bom! 
Festejar a vida (por mais que isso pareça absurdamente otimista) é uma parte minha que tem se manifestado.
Acho que aprendi, finalmente a agradecer.
Então, valeu. Ou tá valendo.
É isso, quando não for eu digo.
Um beijo e um queijo,
Ana (a estranha fleumática).


 Nos mesmo rios entramos e não entramos, somos e não somos.
Heráclito de Éfeso

A trilha sonora da postagem é  Nouvelle Vague.
Deixo uma, durmam bem.






                                    Sou a mulher mais cansada do mundo. Fico cansada assim que me levanto. A vida requer um esforço de que me sinto incapaz. Por favor passa-me esse livro pesado. Preciso pôr qualquer coisa pesada sobre a cabeça. Necessito constantemente de pôr os meus pés sob almofadas para que consiga continuar na terra. De outro modo sinto-me partir, partir a uma velocidade tremenda, tão leve me sinto. Sei que estou morta. Logo que pronuncio uma frase a sinceridade morre e torna-se numa mentira cuja frieza me gela. Não me digas nada, vejo que me entendes, mas tenho receio dessa compreensão, tenho medo de encontrar alguém semelhante a mim e ao mesmo tempo desejo-o. Sinto-me tão definitivamente só, mas tenho tanto medo que o isolamento seja violado e eu não seja mais o cérebro e a lei do meu universo. Sinto-me no grande terror do teu entendimento, meio que penetras no meu mundo; e que, sem véus, tenha então que partilhar o meu reino.                                                                                         Anaïs Nim - A Casa do Incesto



                                                                                                      

The Gnome

I want to tell you a story

 About a little man 

If I can




domingo, 21 de outubro de 2012



...Just take a seat they're always free
No surprise no mystery
In this theatre that I call my soul
I always play the starring role...

MELANCOLIA (ou experimentando o bucólico)



Um banquinho provisório
para esperar
ao lado de uma parada de ônibus
em um ponto qualquer da
estrada infinita e infértil.
Por perto um caminho
aberto
sugerindo moradia.
O caminho aberto vai muito além
do que a vista alcança
muito,
muito,
adentro
do espaço verde.
Quem mora nesta querência distante?
A quem pertence o banquinho?
Quem espera?
Quem senta solitário naquele banquinho tão rude?
O quanto caminha para chegar ali?

(Hoje ainda não tem sol, mas as previsões são luminosas. Assim como a esperança.)







A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio
do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores
e até infinitos.


Manoel de Barros



                                               se o amor vingasse, quem vingaria?
                                                                         eu não seria.

Adélia Prado


A poesia me pega com sua roda dentada,
me força a escutar imóvel
o seu discurso esdrúxulo.
Me abraça detrás do muro, 
levanta a saia pra eu ver, 
amorosa e doida. 
Acontece a má coisa, 
eu lhe digo,
também sou filho de Deus,
me deixa desesperar. 

Ela responde passando
a língua quente em meu pescoço,
fala pau pra me acalmar,
fala pedra, geometria,
se descuida e fica meiga,
aproveito pra me safar.
Eu corro ela corre mais,
eu grito ela grita mais,
sete demônios mais forte.
Me pega a ponta do pé
e vem até na cabeça,
fazendo sulcos profundos.
É de ferro a roda dentada dela.

(Adélia Prado - Sedução)





Domingo com Adélia Prado e Alceu Valença, estou em boa companhia.












sábado, 20 de outubro de 2012

Torvelinho



Começou.

Torvelinho - turbilhão.

Afora o cotidiano,

passei de um torvelinho

(palavra amistosa),

para uma voragem

(palavra libidinosa).


Acabei num vórtice

(palavra definitiva)

E, ainda assim,

não sai do mesmo redemoinho.



Grata surpresa

... e então abri a minha bolsa
e você tava lá

abri minha agenda
e você tava lá

abri meu coração 
e você tava lá...





Menininha vomitando esperança


Toda vez que sinto saudades demais
quando ficas mudo
ou não sei onde estás
nem como
ou não sei por onde posso te achar
leio tubarões e borboletas
e tudo volta.

Faz pouco tempo, foi ontem praticamente
e parece ter passado um ano
e aquilo que nunca quis
é o que tenho
foi o que ganhei
e agora é o que fica
essa ausência presente
uma falta
um bichinho que corrói
e provoca suspiros e medos e possibilidades.

Quando o tubarão comeu a borboleta
e a deixou voando no estômago
a borboleta não pode mais fugir
ela até voa
mas não sai do mesmo lugar.

E aquilo que ela nunca quis
é o que ela tem
uma ausência presente
uma falta
lembranças.

Menininha com esperança.




...não me falta casa
só me falta ela ser um lar
não me falta o tempo que passa
só não dá mais para tanto esperar
para os pássaros voltarem a cantar
e a nuvem desenhar um coração fechado
para o chão voltar a se deitar
e a chuva batucar no telhado...
Arnaldo Antunes - A casa é sua