I Carrega-me contigo, Pássaro-Poesia Quando cruzares o Amanhã, a luz, o impossível
Porque de barro e palha tem sido esta viagem Que faço a sós comigo. Isenta de traçado Ou de complicada geografia, sem nenhuma bagagem Hei de levar apenas a vertigem e a fé: Para teu corpo de luz, dois fardos breves. Deixarei palavras e cantigas. E movediças Embaçadas vias de Ilusão. Não cantei cotidianos. Só cantei a ti Pássaro-Poesia E a paisagem-limite: o fosso, o extremo A convulsão do Homem.
Hoje eu atingi o reino das
imagens, o reino da despalavra. Daqui vem que todas as
coisas podem ter qualidades humanas. Daqui vem que todas as
coisas podem ter qualidades de pássaros. Daqui vem que
todas as pedras podem ter qualidade de sapo. Daqui vem que
todos os poetas podem ter qualidades de árvore. Daqui vem que
os poetas podem arborizar os pássaros. Daqui vem que todos os
poetas podem humanizar as águas. Daqui vem que os poetas
devem aumentar o mundo com suas metáforas. Que os poetas
podem pré -coisas, pré-vermes, podem pré-musgos. Daqui vem que
os poetas podem comprender o mundo sem conceitos. Que
os poetas podem refazer o mundo por imagens, por eflúvios, por afeto.
Ela diz: criei um universo aqui. Eu gosto. Pode ser que diga isso para todos, afinal assim são os artistas. Não quero acreditar. Acredito que criou muitos, mas não sei se disse todos. Fiquei feliz por ter dito. As palavras reverberam no universo e, com isso, realizam-se.
O sofá andou. Veio compor o universo. Ah, essas bagunças dela! São adoráveis uma vez por mês. E todos os planos? Todas as ideias. Ela é uma doida mesmo. Quando eu te digo isso, estou falando que a tua doidera é real, como a tua lucidez. São muitas coisas numa pessoa só. Isso pra mim é que é a loucura. As coincidências também são doidas, tu sabes bem. Te ligo. Era essa música que eu escutava:
Viu bobona? Palavras nas pontas dos dedos, espalhadas em gestos.
Romântico? Será o que sou por escutar McCartney e lembrar dela? Pagando mico, dando um "bandeiraço"? E como posso deixar de sentir e de dizer? Mas sei que ela não vai ler. Agora está ocupada, depois não vai lembrar desse espaço. Estou protegido. Anônimo na internet.
Ela, ah ela. Ela tem charme e usa. Sabe chegar com aquele jeitinho. Aqui, agora, um incenso e o presente que tu me deu. Descanso. Preciso aprender a ir dormir mais cedo. Tanta coisa ficou por fazer só para poder te ver um pouquinho. Acordar cedo. Recomeçar a semana e essa vai ser longa e trabalhosa. No final dará tudo certo, estarei um pouco cansado, posso querer me cansar de outro jeito. Cansar no braço dela, que abusa de mim. Aprendo com ela. Me ensinou, por exemplo, a diferenciar Lennon de McCartney, em timbre e em criação. Me deu uma pequena lição de Corel. Prometeu seguir me ensinando. A vida fica lenta perto dela. O tempo para. Me convida para almoçar, me alimenta, cuida de mim um pouquinho. Tem coisas que dá vontade de matar. Pequenas coisas que quase não importam perto do universo, da maçã (já falei da maçã? não? outro dia então...), do abraço, dos beijos. ... Pra você guardei um universo Quando falta espaço eu faço um verso e durmo na canção... (Nei Lisboa - Romance)
Só porque acorda monstrinhos mágicos que vibram por dentro... Uma música colorida preenche o espaço, são os monstrinhos despertos. Se eu fosse um violão estaria tocando. A lua está bonita. A rua está deserta. A cama está repleta. A roupa está no chão. A guitarra está na mão, o amor sobre o colchão.
terça-feira, 30 de outubro de 2012
Trinta de outubro.
supresa, um telefonema às 6:55 da manhã de alguém que nunca liga. achando que era engano, uma discagem errada, desliguei e voltei a dormir. surpresa, um sonho bom com alguém com quem nunca sonho, uma sensação de conforto, abraço e torno a acordar. e o dia apenas começa. retorno a ligação. uma voz triste e séria: Ana, o Paulinho morreu. como assim? morreu, enterro hoje, 15 hs. me dá uma carona? vou contigo. tramas. a vida em tramas, tecendo tramas. um emaranhado. ainda meio abobada lembro de ter dito: vou me arrumar e estou pronta as 15hs. nesses dias tão estranhos o cemitério tem sido bastante frequentado.
esqueceu de dizer ao telefone: não um paulinho qualquer, mas o Paulo, o cara por quem tu tremeu, queimou, não qualquer cara, não qualquer Paulo. um tempo em que apenas desejava a sorte de um amor tranquilo e, nas escolhas tortas de um coração confuso, acabei mergulhada em dor e tristeza, tudo junto num pacote bonito. com laço de fita e tudo mais. alguém que peitou umas broncas feias e nem tinha porque fazer... alguém que me apresentou os beatinks, alguém que me levou a fazer um programa de rádio, alguém que conhecia arte, alguém com sensibilidade, alguém com quem perambulei pelas ruas, alguém com quem aproveitei poucas madrugadas, alguém com quem tomei uma cachacinha em botecos dos mais botequeiros. alguém maldito. sempre um maldito, no sentido beatnik do termo maldito. alguém que amava um vinho, alguém que amava uma coisa, um haxixe. alguém que ouvia jazz e caetano. quieto. magro. camiseta branca e jeans, sempre. uma boina ocasionalmente. alguém com quem eu não falava, as sequelas foram grandes demais. eu era apenas uma menina. e ele não me entendeu. ele me apresentou a escrita de Kerouac. limpa, contínua, sem pontos, sem vírgulas, uma frase interminável, uma narrativa sem respiração. e também Bukowski, o velho ateu e à toa. ele era "chique". era um taurino. era quente. eu lembro e quase sinto o cheiro. me sentia desconfortável toda vez que o via na rua. não conversávamos mais. nossos filhos brincavam juntos. quatro meninos com as mesmas idades.
estou prestes a te ver pela última vez isso é estranho demais pra mim. não me acostumo. morrer não vale. e nessa trama de hoje os contatos de muito tempo retornam e tudo aperta. a saudade, a repulsa, tudo tudo que não vibrava aqui faz tempo. sou outra. eras outro acredito. um velho. estavas velho, cabelo branco, uma magreza maior ainda, um passo vagaroso. tudo tua doença? não sei. estou prestes a pegar uma carona com alguém que adoro mas que mantenho distância, uma distância saudável. alguém que um dia me disse, lá ainda no quarto de solteira na casa da mãe: se não fosse o medo eu te comia aqui e agora. essa tua morte assim, sem aviso prévio, mexendo em tudo. juntando pessoas. só tu, meu amigo querido, só tu. pra ti, nessa hora, meu velho amor, um Bukowski. celebração de uma partida para sempre. te cuida. até mais.
entre o teu signo e o meu
existe uma possibilidade
de veneno
umas tintas de vermelho
meu moreno
e se a paixão há de ser provisória
que seja louca e linda
a nossa história.
Para atravessar contigo o deserto do mundo Para enfrentarmos juntos o terror da morte Para ver a verdade para perder o medo Ao lado dos teus passos caminharei Por ti deixei meu reino meu segredo Minha rápida noite meu silêncio Minha pérola redonda e seu oriente Meu espelho minha vida minha imagem E abandonei os jardins do paraíso Cá fora à luz sem véu do dia duro Sem os espelhos vi que estava nua E ao descampado se chamava tempo Por isso com teus gestos me vestiste E aprendi a viver em pleno vento (Sophia de Mello Breyner Andresen - Livro Sexto, 1962)
Eu hoje tive um pesadelo e levantei atento, a tempo Eu acordei com medo e procurei no escuro Alguém com seu carinho e lembrei de um tempo Porque o passado me traz uma lembrança Do tempo que eu era criança E o medo era motivo de choro Desculpa pra um abraço ou um consolo Hoje eu acordei com medo mas não chorei Nem reclamei abrigo Do escuro eu via um infinito sem presente Passado ou futuro Senti um abraço forte, já não era medo Era uma coisa sua que ficou em mim, que não tem fim De repente a gente vê que perdeu Ou está perdendo alguma coisa Morna e ingênua Que vai ficando no caminho Que é escuro e frio mas também bonito Porque é iluminado Pela beleza do que aconteceu Há minutos atrás (Ney Matogrosso) Lembro de gostar de Ney desde bem pequena. Essa adquiriu novo significado. Será que tô ficando velha e tola? Espero que não, espero que seja sossego o nome disso. Bj-te
Gostei dessa música com eles. Tenho curtido esse som.
Deixo a original de brinde. :D
segunda-feira, 22 de outubro de 2012
Enquanto espero, converso, aprendo e mudo.
Nada é permanente, exceto a mudança.
Heráclito de Éfeso
Inevitável lembrar Heráclito de Éfeso. Esse moço tem me perseguido ultimamente. Quatro dias
atrás resolvi mudar e reativar este blog. Inicialmente era um espaço pra pensar
a infância aqui na cidade, a relação do poder público com a infância, etc. Me
incomodava essa invisibilidade da criança por aqui. Coisa de mãe talvez.
Outro dia, após
avaliar minha vida com o facebook, vi que precisava de mais espaço e de outro
espaço, porque não quero abarrotar a caixa de entrada de ninguém e também já
não quero - aqui - discutir sobre a infância. Quero só um espacinho pra colocar
as coisas que gosto, dividir com quem quiser ler, ouvir ou ver.
Só isso. Bem
tranquila, apenas prazer.
Lembrei do blog,
parado desde 2009...
Abri, olhei pra
ele. Não servia mais, tinha que colocar coisas fora, mudar. Mas podia usar o
mesmo espaço.
Mudei por dentro e
por fora. E, meio sem jeito, comecei.
Estou ainda me
acostumando, mas sinto vontade de voltar aqui e escrever. As palavras tem me
acompanhado.
Durmo tarde por
causa delas. Ou nem durmo.
Escrevendo ou
lendo, às vezes faço um desenho. Escuto música.
Não tenho dificuldades
em dormir. É mais uma resistência. Gosto do silêncio da noite. Do sossego da
casa quieta, das crianças dormindo no quarto ao lado e as ideias chegando de
mansinho. Tão bom.
Fui colocando aqui
escritos que já estavam digitados. Só isso.
Mas não estava
bom.
Puxei um papo pelo
chat com alguém de quem gosto muito e que conheço há algum tempo, a Lizi
BV, menina inteligente e autora do blog Viver é mais que um direito (
http://dradireitolbv.blogspot.com/) e me dei conta da minha entrada abrupta.
Bem ariana.
tsc tsc tsc
Não pedi licença,
não saudei, não dei "té logo", nadinha. Apenas entrei.
Ainda bem que a
Lisi me ensinou. Que bom que me mostrou a boniteza que é a gentileza e a
simpatia na escrita. Engraçado como transparece, não é?
A quem possa interessar ando bem, de uma felicidade constante e
cansada. Nada muito efusivo, apenas um agradinho interno, que dá a certeza na
hora de dormir que as coisas vão bem.
Aproveito, pois
sei que é rápido.
Aprendi que tudo muda. É preciso mudar. Melhor não resistir.
Acho que continarei mudando.
Aprendi, também, que as coisas de que
preciso para estar feliz são simples.
E não custam
dinheiro, que bom!
Festejar a vida
(por mais que isso pareça absurdamente otimista) é uma parte minha que tem se
manifestado.
Acho que aprendi,
finalmente a agradecer.
Então, valeu. Ou
tá valendo.
É isso, quando não
for eu digo.
Um beijo e um
queijo,
Ana (a estranha
fleumática).
Nos mesmo rios entramos e não entramos, somos e não somos.
Heráclito de Éfeso
A trilha sonora da postagem é Nouvelle Vague.
Deixo uma, durmam bem.
Sou a mulher mais cansada do mundo. Fico cansada assim que me levanto. A vida requer um esforço de que me sinto incapaz. Por favor passa-me esse livro pesado. Preciso pôr qualquer coisa pesada sobre a cabeça. Necessito constantemente de pôr os meus pés sob almofadas para que consiga continuar na terra. De outro modo sinto-me partir, partir a uma velocidade tremenda, tão leve me sinto. Sei que estou morta. Logo que pronuncio uma frase a sinceridade morre e torna-se numa mentira cuja frieza me gela. Não me digas nada, vejo que me entendes, mas tenho receio dessa compreensão, tenho medo de encontrar alguém semelhante a mim e ao mesmo tempo desejo-o. Sinto-me tão definitivamente só, mas tenho tanto medo que o isolamento seja violado e eu não seja mais o cérebro e a lei do meu universo. Sinto-me no grande terror do teu entendimento, meio que penetras no meu mundo; e que, sem véus, tenha então que partilhar o meu reino. Anaïs Nim - A Casa do Incesto
Um banquinho provisório para esperar ao lado de uma parada de ônibus em um ponto qualquer da estrada infinita e infértil. Por perto um caminho aberto sugerindo moradia. O caminho aberto vai muito além do que a vista alcança muito, muito, adentro do espaço verde. Quem mora nesta querência distante? A quem pertence o banquinho? Quem espera? Quem senta solitário naquele banquinho tão rude? O quanto caminha para chegar ali? (Hoje ainda não tem sol, mas as previsões são luminosas. Assim como a esperança.)
A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio. Falava que os vazios são maiores e até infinitos. Manoel de Barros
A poesia me pega com sua roda dentada, me força a escutar imóvel o seu discurso esdrúxulo. Me abraça detrás do muro, levanta a saia pra eu ver, amorosa e doida. Acontece a má coisa, eu lhe digo, também sou filho de Deus, me deixa desesperar.
Ela responde passando a língua quente em meu pescoço, fala pau pra me acalmar, fala pedra, geometria, se descuida e fica meiga, aproveito pra me safar. Eu corro ela corre mais, eu grito ela grita mais, sete demônios mais forte. Me pega a ponta do pé e vem até na cabeça, fazendo sulcos profundos. É de ferro a roda dentada dela.
(Adélia Prado - Sedução)
Domingo com Adélia Prado e Alceu Valença, estou em boa companhia.